quarta-feira, março 19, 2008

A Delimitação do Sulcus Primigenius de Salacia


A definição de um determinado espaço para conter uma necrópole e tornar-se sagrado, obedece a normas determinadas por lei, de forma a evitar abusos e a “ira” dos Deuses.
Por outro lado, temos que ter a noção, de que o corpo legislativo não é imutável no tempo, mas varia.
Em síntese, a eclosão de conflitos no quotidiano, implicam o aparecimento posterior, de formas jurídicas para evitar confrontos entre o que se considera a legalidade e a vida social.
O Império Romano está longe de ser um espaço cultural monolítico. Ao absorver povos tão diferentes entre si, a imposição de uma lei romana (como privilégio), terá permitido uma difusão e uma forma de aculturação religiosa, que em ultima análise, permitirá a reprodução local, de formas sociais de representar as ideias romanas da “morte”.
O caso de Alcácer, poderá ser um bom exemplo.
Cidade de matriz orientalizante, com uma elite local pré-romana, com autonomia suficiente para cunhar moeda numa língua própria, fará a sua rápida “romanização” nos actos de representação social da morte, como podemos verificar na necrópole da Azinhaga dos Mártires.
Que critérios deviam possuir um determinado terreno, para poder ser transformado em necrópole?
Segundo a Lei das XII Tábuas, esse espaço tinha que estar obrigatoriamente fora do pomerium, ou seja; - do limite religioso em torno da cidade [1].
Esta linha permitia a separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos[2].
Alcácer, é uma das poucas urbes romanas da Lusitania, onde é claro a delimitação desta linha, tendo em conta a localização das três necrópoles conhecidas, a identificação da acrópole da urbe no Castelo, o espaço portuário na Ribeira e a topografia.
Curiosamente, este sulco (sulcus primigenius), escavado ao longo de séculos pela drenagem natural das águas fluviais e provavelmente realçado por mãos humanas, será um dos elementos topográficos que irá condicionar a evolução da malha urbana de Alcácer[3], dando origem ao fosso Tardo Islâmico, relatado nas fontes medievais[4] dos séculos XII/XIII.
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[1] Segundo a lenda, o pomerium, representava o sulcro sagrado e inviolável que Rómulo tinha traçado com a charrua aquando da fundação de Roma. Esta linha delimitava-se quando se decidia fundar uma cidade (sulcus primigenius). PIMENTEL, M.C. S (1997). 5. A Vida Quotidiana. Em Civilizações Clássicas II. Roma. Ed. Universidade Aberta, p. 169-170.
[2] Este principio, demonstra a existência de preocupações em relação à salubridade pública. Por outro lado, esta postura permitia libertar espaço útil dentro da urbe, fundamental para hortas e constante expansão dentro do recinto amuralhado. Só em casos excepcionais seria permitida a honra de ser sepultado em espaço urbano, como aconteceu no caso de Augusto, Tito ou Trajano. Em Alcácer, desconhecemos se essa honra terá tido lugar!
[3] A tendência natural de Alcácer, é de ser uma cidade que se desenvolve, voltada para sul e para o rio, ao longo da margem.
[4] Muçulmanas e Cristãs.

7 comentários:

Anónimo disse...

Bonitos visuais que deu aos seus blogs: gostei especialmente deste: arqueoalcacer.blogspot.com.

Devia concentrar toda a sua matéria de pesquisa e trabalhos num só blog ou então tornar aqueles que tem constantemente actualizados já que apenas este tem merecido a sua especial atenção.
Podia apenas ter os seguintes:
-"arqueo-alcacer" unindo o
"al-qasr-abu-danis" e "arqueo-torrao", já que o termo "arqueo-alcacer" é muito mais fácil de ser acedido devido ao seu nome fácil;
-manter o "alcacer-islamica"; com muito mais actualizações.
-criar um novo em relação ao período da idade do ferro.

Com os melhores cumprimentos e desejo de boas pesquisas arqueológicas.

ps: Gostava de saber se já há resultados referentes à campanha de 2007 da Villa Romana de Santa Catarina?

ARC disse...

Obrigado pelo comentário. Achei interessante as suas sugestões. Não prometo mais novidades, mas tentar actualizar os blogs, numa sequência mais regular. Em relação a Santa Catarina, os resultados de 2007 serão divulgados, mas levará mais algum tempo, porque tenho que concluir a primeira Fase da Necrópole dos Mártires.

ARC disse...

Em relação às suas sugestões:
O Qsar abu danis e o Arqueo-Torrão pretendem ser espaços se divulgação, (com um pouco de tudo)procurando respeitar duas realidades culturais específicas do nosso concelho. Tenho reparado que quem consulta um deste blogs, raramente consulta o outro (tanto nacionais como estrangeiros). No caso do ArqueoTorrão, presumo que grande parte das consultas sejam provenientes de imigrantes com ligações ao Torrão, espalhados pelo Luxemburgo, Suiça ou França.
Os restantes blogs, irão futuramente ter uma linguagem mais específica, porque o objectivo é outro, vocacionado mais para a comunidade cientifica. Em relação à Idade do Ferro, vai por agora ficar como sugestão.(O Ferro/Periodo Orientalizante, é um Mundo tão complexo como a Romanização ou a Islamização. A problemática Fenícia e Púnica em Alcácer, é um tema muito denso, longe de estar resolvido)

Anónimo disse...

um blog pode ser um espaço de partilha de informações, encontrei uma página sobre a villa romana de rio maior, achei muito bonito e decedi partilha-lo consigo. http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=468450
será que este tipo de estrutura se pode asemelhar à villa romana de santa catarina

ARC disse...

Sim tem razão. Um blog pode ser entendido (eu entendo) mais como um espaço de partilha de informação e terá sempre mais sentido nessa perpectiva. Felismente esta dimensão de "diálogo" está a ser posta em prática em novos blogs que surgiram este ano, vocacionados para a arqueológia (Mais na perpectiva de "Filosofia de actuação e Reflexões sobre a sua Prática neste início do século XXI, cujo bom exemplo é o recente Blog do Centro de Arqueologia de Almada). Já conhecia a Villa de Rio Maior, cujo estudo encontra-se disponível em PDF no site do ex-IPA (publicações/trabalhos de Arqueologia), mas desconhecia a página que me indicou. Trata-se de uma Villa romana muito interessante, que segue o modelo mais usual na Hispania e na Lusitania- Apresenta um programa arquitectónico muito rico no Baixo Império. No caso de Santa Catarina, estamos perante uma Villa cuja linguagem arquitectónica poderá ser semelhante à Villa de rio Maior, contudo existe uma diferença (a Villa de Rio Maior é claramente do Baixo Império e a Villa de Santa Catarina é claramente do Alto Império. Em Santa Catarina (os dados disponíveis), apontam para um conjunto monumental importante no Alto Império, situação que parece ser rara na Lusitania e que tem a ver com a presença e valorização precose de Salacia no quadro Imperial Romano. Após o século III d. C, o panorama será diferente, mas os dados são ainda escassos, para poder dizer algo mais.

ARC disse...

O site do ex-IPA ainda está on-line e o endereço é: -http://www.ipa.min-cultura.pt/
O trabalho encontra-se disponível on-line em PDF, em, PUBLICAÇÕES/Trabalhos de Arqueologia, nº 31 - A Villa romana de Rio Maior: estudos de mosaicos, por Cristina Fernandes de Oliveira. Vale a pena uma leitura desta monografia.

Anónimo disse...

Sr. António parabéns pelo seu trabalho. Deixo-lhe uma sugestão, caso a ache pertinente deve abordar mais a problemática que engloba a pré-romanização e o ínicio da mesma, nomeadamente as dúbias questões feno-púnicas e a problemática relacionada com evion. Estes assuntos um pouco mais complexos e dúbios que as pessoas parece que querem esquecer trarão uma grande vida à memória de Alcácer.